Colorindo a sua cultura

Renata Saavedra
4 min readJan 20, 2021
Imagem de divulgação do Festival Frente Feminina. Foto: Catarina Accioly

Quais são as vozes e histórias que você escuta nos seus momentos de lazer? Os livros que você lê, as músicas que você ouve, os filmes que você assiste?

No Brasil, somos 56,2 % negros (pretos e pardos), 42,7% brancos e 1,1% indígenas ou amarelos (PNAD, 2019). Se o que você lê, assiste e consome é feito só por pessoas brancas — que são a maioria entre os trabalhadores do setor cultural — , você está perdendo muita coisa interessante e importante para enriquecer seus pontos de vista, não acha?

++ “Trabalhar com cultura no nosso país é algo relacionado ao privilégio de classe e raça. Por isso, é muito difícil trabalhar no setor sendo uma pessoa negra e periférica. Temos que criar nossos espaços”, conta Andreza Delgado, uma das criadoras do Perifacon, feira de quadrinhos e de cultura nerd e geek realizada por pessoas periféricas, à Gênero e Número.

Enegrecer as nossas referências culturais não é uma questão de militância ou ativismo, mas de ampliação de visão de mundo.

Sueli Carneiro, que há décadas convoca o Brasil a enegrecer seus feminismos, disse no III Fórum Nacional de Performance Negra, em 2009:

“Há a necessidade de ultrapassar os padrões fixados e introjetados de apresentação da cultura negra que, na maioria das vezes, as inscrevem no registro do arcaísmo. (…) Reenegrecer o que foi embranquecido torna-se uma questão estratégica para a ruptura com os mecanismos de fixação, porque a produção cultural negra embranquecida pela indústria cultural branca transforma-se em produto nacional e as expressões culturais tradicionais convertem-se em representação negra efetiva, algo da dimensão do folclore”.

Questione a cultura que você consome. Essa é um dos importantes caminhos que Djamila Ribeiro nos sugere em seu prático e direto Pequeno Manual Antirracista.

Você pode fazer esse movimento de diversificação do que consome independente dos seus temas de interesse. Pessoas negras não falam apenas de questões raciais, mas também de alimentação, cinema, moda, educação, literatura, negócios, meio ambiente, religião, música e por aí vai.

Se buscar essa diversificação ainda não faz parte da sua rotina, trago aqui uma breve lista com iniciativas culturais e afins para um pontapé inicial. Um convite a enegrecer seus momentos de lazer:

+ A Afroflix, criada pela cineasta Yasmin Thayná, é uma plataforma colaborativa que disponibiliza conteúdos audiovisuais online com uma condição: as produções devem contar com “uma área de atuação técnica/artística assinada por uma pessoa negra”. São filmes, séries, programas diversos e clipes.

+ O Centro Afro Carioca de Cinema, que promove o Encontro de Cinema Zózimo Bulbul, disponibiliza alguns filmes e debates de festivais anteriores no Youtube.

++ O levantamento Perfil do Cinema Brasileiro (1995–2016) mostra que, nos 219 filmes nacionais de maior bilheteria desses vinte anos, nenhuma mulher negra atuou como diretora ou roteirista.

+ Portal Geledés, Revista Afirmativa, Alma Preta e Blogueiras Negras são alguns representantes de peso da mídia negra e antirracista nacional. O Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) lançou em agosto de 2020 um Mapeamento da Mídia Negra no Brasil.

+ A Flup — Festa Literária das Periferias, que ganhou o Prêmio Jabuti 2020 na categoria de fomento à leitura, disponibiliza um conteúdo fantástico de debates e performances no Youtube.

+ Ainda na literatura, a Editora Malê, criada em 2015, publica literatura afro-brasileira com o objetivo de colaborar com a ampliação da diversidade do mercado editorial brasileiro. Nela você encontra as histórias e poesias de Conceição Evaristo e Eliana Alves Cruz, por exemplo.

+ O livro de 2020, aliás, que está conquistando diversos prêmios e arrebatando corações e foi o que mais marcou nesse ano tão complexo, é Torto Arado, de Itamar Vieira.

++ “Qualquer ação que vise democratizar a ampliação de leitores, terá que passar pela questão da diversidade e da representatividade na literatura”, comentou Vagner Amaro, fundador da Editora Malê. Pesquisa coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília (UNB), mostra que, entre 2004 e 2014, apenas 2,5% dos autores publicados no Brasil não eram brancos. No mesmo período, só 6,9% dos personagens retratados nos romances eram negros, sendo que só 4,5% eram protagonistas da história. E, entre 1990 e 2004, o top cinco de ocupações dos personagens negros era: bandido, empregado doméstico, escravo, profissional do sexo e dona de casa.

+ Se o seu lance é tecnologia e inovação, mergulhe na PretaLab, uma plataforma que reúne mulheres negras e indígenas nesse campo. No podcast PretaPod(e), a PretaLab bate um papo com as principais vozes do slam do Brasil.

+ Inovação também é o foco do ​GatoMÍDIA, uma rede de aprendizado em mídia e tecnologia para jovens negros e moradores de espaços populares que aposta na cultura maker e na produção de novas histórias.

+ O Festival Segunda Black é um coletivo de artistas, produtores, curadores e técnicos negros que criaram um espaço para artistas negros apresentarem seus processos criativos e se conectarem.

+ Em 2020 rolou a 1ª Edição do Motim Bafro — Festival Multiartístico Afrobrasileiro Online, com a participarão cerca de 40 artistas que abordam a negritude em suas obras, entre artistas visuais, músicos e performers.

+ O Movimento Black Money listou 8 criadores de conteúdo negros que você precisa conhecer.

+ O II Festival Frente Feminina vai reunir artistas negras com performances sobre ancestralidades e afrofuturismo em março no Youtube. Até o dia 24 de janeiro, o festival seleciona artistas negras para um intercâmbio gratuito com a artista britânica Marissa Lestrade.

Aceito suas dicas também :)

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Renata Saavedra

Pesquisadora, feminista e fruto do sistema de educação pública brasileiro. Researcher, feminist and product of the Brazilian public education system.