Pausar: você pode e deve
Você se permite pausar?
No universo do trabalho, empreendedorismo, liderança e inovação, fala-se cada vez mais sobre estarmos no mundo BANI — brittle (frágil), anxious (ansioso), nonlinear (não-linear) e incomprehensible (incompreensível). Diferente do mundo VUCA — volátil, incerto (uncertain), complexo e ambíguo –, expressão criada nos anos 1980, no mundo BANI não faz sentido tentar controlar ou interpretar as condições caóticas do mundo. Você precisa “saber reagir a tudo o que acontece”, dizem os especialistas.
Suas decisões precisam ser mais rápidas, “abra um milhão de janelas ao mesmo tempo”, como explica Alberto Roitman, da Escola do Caos:
“Perdeu o emprego? Parar para interpretar o que aconteceu é coisa do mundo VUCA. Sair fazendo contatos, arrumar trabalho (e não emprego), ligar para mil pessoas, sacudir a poeira é BANI. Quebrou a empresa? Ficar culpando o governo ou a pandemia é VUCA. Fazer dinheiro com o que sobrou dela, se aproximar de concorrentes, voltar rápido para o mercado é BANI. Esperar a promessa de ser promovido pelo chefe é VUCA. Montar uma empresa em paralelo ao seu emprego é BANI. Esperar o melhor momento para investir é VUCA. Ter mais fontes de renda é BANI.”
Ok, precisamos mesmo ser ágeis, inovadores, tomar decisões assertivas e avançar com o que temos, pois as condições ideais não vão chegar. Mas, peraí, precisa ser correndo assim? É uma dúvida mesmo.
Certamente as pessoas que estudam para desenvolver e aplicar essas teorias têm propriedade para isso e se baseiam em dados e análises consistentes, e são teorias úteis para determinados contextos e pessoas. Ressalto que esse não é meu campo de estudos e pesquisas.
No entanto, confesso que muitas vezes isso não faz muito sentido para mim pessoalmente:
Primeiro porque essa abordagem me soa um tanto quanto apocalíptica, “bem vindo à era do caos”, e me parece que esse mundo em que vivemos anda caótico — desigual e desequilibrado — há algumas eras…
Segundo porque muitas vezes esses conceitos reforçam uma glamourização do excesso de trabalho que tem adoecido muita gente, a ponto de termos uma geração burnout.
Terceiro porque não me vejo tomando decisões melhores com alguém dizendo “corra! não pare! inove!” no meu ouvido. Muitas vezes essa pessoa sou eu mesma, e não me ajudo.
Ao contrário, quero me tornar cada vez melhor em criar intervalos.
Quantas possibilidades cabem em um respiro, um espaço, um silêncio, uma pausa?
No geral, na cultura ocidental, a pausa é associada a ideias negativas como hesitação, preguiça, dúvida, atraso.
“A pausa pode ser interpretada como falta de decisão ou sensação de incerteza. As pessoas não querem ser vistas como inseguras. Aquelas em posições de liderança com certeza não gostariam de ser descritas como alguém que hesita ou atrasa. Talvez um dia grandes líderes sejam chamados de reflexivos, calmos e possuidores da capacidade de fazer uma pausa no meio da briga para discernir a ação correta. Talvez algum dia essas descrições sejam avaliadas como necessárias para o sucesso. Não estamos neste lugar hoje, embora à medida que a consciência humana em nossas organizações continua a se expandir, esses novos adjetivos estão aparecendo nos corredores de muitas empresas”, escrevem Joanne Hunt e Laura Divine, fundadoras da Integral Coaching Canada.
Hunt e Divine destacam a importância da habilidade de pausar: “Essa capacidade de perceber quando nossas ações estão em desacordo com nossas intenções requer primeiro a capacidade de fazer uma pausa… para realmente observar o que está acontecendo no momento… para discernir o que é necessário no momento, não com base no que planejamos ou no que estamos carregando inconscientemente, mas no que está realmente acontecendo. Aqui. Agora.”
Nosso mundo é mesmo frágil, ansioso, não-linear e incompreensível. Precisamos mais do que nunca reverter antigos comportamentos, tomar decisões melhores. Portanto, em vez de correr, pense melhor. Só assim podemos romper com padrões que nos limitam. “Pausar é um passo intermediário que se encontra entre nossas antigas e novas formas de pensar e agir. Encontra-se entre esta respiração e a próxima. Encontra-se entre uma ação consciente e uma reação inconsciente”.
+ Existem diversos TEDx Talks sobre “O poder da pausa”, com diferentes abordagens: Tim Tompkins no TEDxTimesSquare; Nancy Scannell no TEDxValparaisoUniversity; Monique Gomez no TEDxABQWomen e Ralph Simone at TEDxUtica são bons exemplos.
“Pausa não é algo que “seria bom ter”, ou “seria maravilhoso se eu tivesse tempo”. Pausar é uma competência essencial necessária para apoiar qualquer desenvolvimento pessoal e profissional com pessoas interessadas em trazer novos resultados e mudanças significativas que possam ser sustentadas ao longo do tempo ”.
Como disse Paul B. Preciado em suas Crônicas da Travessia, que me acompanharam e inspiraram nesse janeiro:
“Toda revolução, subjetiva ou social, exige uma ruptura da enunciação, a reconexão com linhas etimológicas que estavam fechadas ou o corte direto na linguagem viva para introduzir uma diferença, um espaçamento, um diferimento.”
“A revolução não começa com uma marcha sob o sol, mas com um hiato, uma pausa, um deslocamento mínimo, um desvio no jogo de improvisos aparentes.”
De fato, não temos tempo a perder, mas pausar não é perder tempo. Respire e pense duas vezes.
Por um silêncio onde possamos desconfiar das palavras e caminhos com que pretendemos seguir.