Por um “sim” que liberte nossa imaginação

Renata Saavedra
4 min readFeb 9, 2021

Joey Guidone para Reimagining Human Rights

“Diga o que você apoia, não a que você se opõe”. Esse tweet recente da Anat Shenker-Osorio é daqueles lembretes úteis que precisamos ter sempre por perto. Temos tanto a denunciar, tanto a corrigir e criticar, que muitas vezes esquecemos das nossas mensagens principais, de dizer o que defendemos, o que queremos.

Anat é uma referência para quem trabalha com comunicação e direitos humanos. Ela escreveu o “Comunicação no contexto atual: um guia para comunicadores progressistas” [no original Messaging this Moment: a Handbok for Progressive Communicators], que um grupo de jornalistas da Rede Narrativas (em que felizmente me incluo) traduziu para o português.

A publicação original foi lançada nos Estados Unidos em agosto de 2017, cerca de seis meses após a eleição de Donald Trump, e segue extremamente atual, já que a polarização política, a desinformação e a falta de diálogo só vêm aumentando. “Precisamos desenvolver com urgência uma narrativa mais ampla e inclusiva, capaz de mobilizar nossa base e persuadir muito mais pessoas indecisas pelo caminho”, escreve Anat.

Destaco aqui alguns princípios listados nesse guia para a construção de mensagens:

Comece com valores compartilhados, não com problemas. Geralmente iniciamos nossas falas e textos com problemas, propomos uma solução e concluímos convocando para uma ação. As pessoas estão fartas de problemas. “É compreensível nosso desejo de alertar sobre os danos notórios, crescentes e sistemáticos que sofrem nossas comunidades. Mas a forma como o fazemos não é atraente”.

Foquemos o que nos une, não o que nos separa. Temos algo em comum com qualquer criatura desse planeta. Busquemos essa ponte. Pesquisas (como as da ASO e da Bridges) mostram como a família é uma prioridade para quase todos os latino-americanos, por exemplo.

Descreva o que você busca, não ao que você se opõe. E crie algo bom, não apenas reduza algo ruim.

“Com esse fluxo ininterrupto de retóricas perversas e regras vindo em nossa direção, é tentador rejeitar, refutar e criticar o que os nossos oponentes estão oferecendo. Entretanto, reproduzir o que os nossos oponentes dizem, mesmo com o objetivo de contrapor, simplesmente oferece a eles mais visibilidade”, destaca Anat.

O movimento #EleNão, por exemplo, uniu as mulheres contra Bolsonaro nas redes e nas ruas e mobilizou ações e protestos em diferentes capitais do Brasil. Um movimento muito potente. No entanto, algumas análises questionam se o movimento não falou apenas com quem já estava contra o atual presidente, já que sua aprovação seguiu aumentando. Afinal, em uma sociedade que desvaloriza as mulheres e naturaliza a violência de gênero, incomodar as mulheres é sinal de vitória. Quando dizemos #EleNão, a imagem que levamos para a mente de quem nos escuta é o rosto do Bolsonaro.

“Um “não” sem um “sim” leva os ouvintes a pensar que estamos somente praticando a velha política de sempre”, diz Anat. “Martin Luther King tinha um sonho, não uma reclamação”.

+ Confira também a publicação Comunicação de Causa: reflexões e provocações para novas narrativas, desenvolvido por Fundação Tide Setubal, Instituto Alana e Rede Narrativas

+ Vale conhecer a “Derrubando muros & construindo pontes: como conversar com quem pensa muito diferente de nós?”, plataforma do Instituto Avon com Papo de Homem.

+ E o Despolarize é um projeto para ampliar o repertório para lidar com conflitos, oferecendo conteúdos e materiais muito interessantes para promovermos melhores diálogos.

Exercite a imaginação

Mas se é para afirmar o que queremos, o que queremos? Somos capazes de dizer como é o mundo de que queremos desfrutar? A pessoa que queremos ser?

Essa semana li James Baldwin citando Doris Lessing, que escreveu que o racismo “não é nosso pecado original, e sim apenas um aspecto da atrofia da imaginação que nos impede de nos vermos em toda criatura viva que há sob o sol”.

“Esperança”. De Cachetejack para Reimaginig Human Rights

Penso que precisamos desatrofiar nossa capacidade de imaginar, de criar imagens belas, cheias de esperança. A esperança é uma força poderosa para o progresso, é uma estratégia inteligente para a mudança social. Apostando nisso, a Hope-based communications lançou, entre outras iniciativas, o “Reimagining Human Rights”, que é a maior coleção de conteúdo visual gratuito e “esperançoso” sobre os direitos humanos, para ativistas e organizações sem fins lucrativos em todo o mundo usarem em suas campanhas.

A imaginação é um terreno de luta política.

“O mapa para um novo mundo está na imaginação, no que vemos com nossos terceiros olhos, e não na desolação que nos cerca”. — Robin D.G. Kelley na Intelligent Mischief.

+ Por isso a arte e a cultura são tão fundamentais! São elas que nos permitem exercitar a capacidade de imaginar e garantem grande parte da nossa saúde, como a pandemia nos mostrou. Os artistas e produtores culturais foram uma das categorias mais afetadas pela crise, e ao mesmo tempo desempenham um papel tão fundamental à frente das soluções. A arte é curativa.

Falar de respeito aos direitos das pessoas é falar de plenitude, de abundância, de conexão. É também falar de prazer, como diz a inspiradora adrienne maree brown. Por que não é isso que as pessoas escutam quando muitos de nós, defensores de direitos, estamos falando?

Eu quero é falar de amor, e visualizar imagens de um mundo pleno, de diálogos afetuosos e trocas justas. Quero desatrofiar minha imaginação e me ver em toda criatura viva que há sob o sol. Vamos juntos?

“All For One” (Todos por um), de Svilena Babukchieva para Reimagining Human Rights

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Renata Saavedra
Renata Saavedra

Written by Renata Saavedra

Pesquisadora, feminista e fruto do sistema de educação pública brasileiro. Researcher, feminist and product of the Brazilian public education system.

No responses yet

Write a response