Por um “sim” que liberte nossa imaginação
“Diga o que você apoia, não a que você se opõe”. Esse tweet recente da Anat Shenker-Osorio é daqueles lembretes úteis que precisamos ter sempre por perto. Temos tanto a denunciar, tanto a corrigir e criticar, que muitas vezes esquecemos das nossas mensagens principais, de dizer o que defendemos, o que queremos.
Anat é uma referência para quem trabalha com comunicação e direitos humanos. Ela escreveu o “Comunicação no contexto atual: um guia para comunicadores progressistas” [no original Messaging this Moment: a Handbok for Progressive Communicators], que um grupo de jornalistas da Rede Narrativas (em que felizmente me incluo) traduziu para o português.
A publicação original foi lançada nos Estados Unidos em agosto de 2017, cerca de seis meses após a eleição de Donald Trump, e segue extremamente atual, já que a polarização política, a desinformação e a falta de diálogo só vêm aumentando. “Precisamos desenvolver com urgência uma narrativa mais ampla e inclusiva, capaz de mobilizar nossa base e persuadir muito mais pessoas indecisas pelo caminho”, escreve Anat.
Destaco aqui alguns princípios listados nesse guia para a construção de mensagens:
Comece com valores compartilhados, não com problemas. Geralmente iniciamos nossas falas e textos com problemas, propomos uma solução e concluímos convocando para uma ação. As pessoas estão fartas de problemas. “É compreensível nosso desejo de alertar sobre os danos notórios, crescentes e sistemáticos que sofrem nossas comunidades. Mas a forma como o fazemos não é atraente”.
Foquemos o que nos une, não o que nos separa. Temos algo em comum com qualquer criatura desse planeta. Busquemos essa ponte. Pesquisas (como as da ASO e da Bridges) mostram como a família é uma prioridade para quase todos os latino-americanos, por exemplo.
Descreva o que você busca, não ao que você se opõe. E crie algo bom, não apenas reduza algo ruim.
“Com esse fluxo ininterrupto de retóricas perversas e regras vindo em nossa direção, é tentador rejeitar, refutar e criticar o que os nossos oponentes estão oferecendo. Entretanto, reproduzir o que os nossos oponentes dizem, mesmo com o objetivo de contrapor, simplesmente oferece a eles mais visibilidade”, destaca Anat.
O movimento #EleNão, por exemplo, uniu as mulheres contra Bolsonaro nas redes e nas ruas e mobilizou ações e protestos em diferentes capitais do Brasil. Um movimento muito potente. No entanto, algumas análises questionam se o movimento não falou apenas com quem já estava contra o atual presidente, já que sua aprovação seguiu aumentando. Afinal, em uma sociedade que desvaloriza as mulheres e naturaliza a violência de gênero, incomodar as mulheres é sinal de vitória. Quando dizemos #EleNão, a imagem que levamos para a mente de quem nos escuta é o rosto do Bolsonaro.
“Um “não” sem um “sim” leva os ouvintes a pensar que estamos somente praticando a velha política de sempre”, diz Anat. “Martin Luther King tinha um sonho, não uma reclamação”.
+ Confira também a publicação Comunicação de Causa: reflexões e provocações para novas narrativas, desenvolvido por Fundação Tide Setubal, Instituto Alana e Rede Narrativas
+ Vale conhecer a “Derrubando muros & construindo pontes: como conversar com quem pensa muito diferente de nós?”, plataforma do Instituto Avon com Papo de Homem.
+ E o Despolarize é um projeto para ampliar o repertório para lidar com conflitos, oferecendo conteúdos e materiais muito interessantes para promovermos melhores diálogos.
Exercite a imaginação
Mas se é para afirmar o que queremos, o que queremos? Somos capazes de dizer como é o mundo de que queremos desfrutar? A pessoa que queremos ser?
Essa semana li James Baldwin citando Doris Lessing, que escreveu que o racismo “não é nosso pecado original, e sim apenas um aspecto da atrofia da imaginação que nos impede de nos vermos em toda criatura viva que há sob o sol”.
Penso que precisamos desatrofiar nossa capacidade de imaginar, de criar imagens belas, cheias de esperança. A esperança é uma força poderosa para o progresso, é uma estratégia inteligente para a mudança social. Apostando nisso, a Hope-based communications lançou, entre outras iniciativas, o “Reimagining Human Rights”, que é a maior coleção de conteúdo visual gratuito e “esperançoso” sobre os direitos humanos, para ativistas e organizações sem fins lucrativos em todo o mundo usarem em suas campanhas.
A imaginação é um terreno de luta política.
“O mapa para um novo mundo está na imaginação, no que vemos com nossos terceiros olhos, e não na desolação que nos cerca”. — Robin D.G. Kelley na Intelligent Mischief.
+ Por isso a arte e a cultura são tão fundamentais! São elas que nos permitem exercitar a capacidade de imaginar e garantem grande parte da nossa saúde, como a pandemia nos mostrou. Os artistas e produtores culturais foram uma das categorias mais afetadas pela crise, e ao mesmo tempo desempenham um papel tão fundamental à frente das soluções. A arte é curativa.
Falar de respeito aos direitos das pessoas é falar de plenitude, de abundância, de conexão. É também falar de prazer, como diz a inspiradora adrienne maree brown. Por que não é isso que as pessoas escutam quando muitos de nós, defensores de direitos, estamos falando?
Eu quero é falar de amor, e visualizar imagens de um mundo pleno, de diálogos afetuosos e trocas justas. Quero desatrofiar minha imaginação e me ver em toda criatura viva que há sob o sol. Vamos juntos?