Uma internet segura começa com o respeito às mulheres
Ah, a internet. Como viver sem ela? E, mais importante ainda: como viver bem com ela?
É na internet, principalmente nas redes sociais, que muitas e muitos de nós estamos vivendo a maior parte das nossas vidas.
+ Três em cada quatro brasileiros acessam a internet, o que equivale a 134 milhões de pessoas. Embora a quantidade de usuários e os serviços online acessados venham aumentando, ainda persistem diferenças de renda, gênero, raça e regiões. Leia nessa reportagem da Agência Brasil sobre a pesquisa TIC Domicílios 2019.
Assim como as ruas e cidades, a internet é um espaço de muita violência, especialmente contra as pessoas que correm mais riscos também fora do virtual: pessoas negras, LGBTQI+ e mulheres.
Por isso, quero compartilhar algumas iniciativas voltadas para proteção digital a partir de uma ótica feminista antirracista.
Em todo o mundo, 73% das mulheres que estão conectadas já foram expostas a algum tipo de violência online, segundo Relatório divulgado pela Comissão de Banda Larga da ONU em 2015. Jovens entre 18 e 24 anos são as maiores vítimas de perseguições nas redes e de assédio sexual e muitas sofrem ameaças físicas.
“A violência de gênero online impacta a vida de mulheres desde muito cedo. Somente no Brasil, 77% de meninas e jovens já sofreram assédio online, segundo pesquisa da Plan International. As situações de assédio acabam se tornando uma das principais barreiras para que mulheres e meninas exerçam de maneira plena suas liberdades de expressão, movimentação e participação na internet”, relata o InternetLab.
“A internet é maravilhosa, nós não conseguiremos, nem queremos refreá-la, mas nós precisamos ser capazes de intervir no espaço da internet. Nós precisamos pensar no espaço virtual como nossas novas ruas e nossas novas casas e pensar no que é necessário fazer para manter as mulheres seguras, em particular as meninas. Isso apresenta novos desafios para todos nós, não apenas nas nossas análises de diferentes ‘sites’ de violência, mas crucialmente em torno de nossa abordagem de prevenção, solução de crises e apoio contínuo.”, diz Marai Larasi, diretora executiva da ONG britânica End Violence Against Women Coalition (Coalizão de Combate à Violência contra Mulheres) em entrevista para o Dossiê violência contra as Mulheres do Instituto Patrícia Galvão, que tem um capítulo dedicado à violência na internet.
Dados da ONG SaferNet mostram que os crimes cibernéticos de violência contra mulheres foram os que mais cresceram entre 2017 e 2018, com um aumento de 1.600%. As denúncias saltaram de 961 casos em 2017, para 16.717 mil em 2018. O isolamento social tem intensificado esses ataques. O mais comum é a divulgação de fotos íntimas, sem o consentimento da vítima, a chamada pornografia de vingança. A pena para esse tipo de crime varia entre 5 e 8 anos de prisão no Brasil.
A Safernet já recebeu mais de 2 milhões de denúncias de conteúdos de ódio, que incluem apologia e incitação a crimes contra a vida, racismo, intolerância religiosa, neonazismo, xenofobia, homofobia e violência ou discriminação contra as mulheres. Todos esses tipos de discurso têm alvos bem evidentes: LGBTs, mulheres e pessoas negras.
+81% das vítimas de discursos de racismo no Facebook são mulheres negras de 20 a 35 anos.
+ Acesse também o estudo “Visibilidade Sapatão nas redes: entre violência e solidariedade” da Coding Rights, organização feminista interseccional que defende os direitos humanos no desenvolvimento, regulação e uso das tecnologias.
+ Nesse cenário, mulheres jornalistas têm sido particularmente afetadas.
Nossos 2 caminhos necessários — que devem ser conciliados:
1) Visibilizar e divulgar as ferramentas de apoio e proteção digital que organizações comprometidas com os direitos têm desenvolvido.
- A MariaLab criou diversos manuais com dicas e orientações, como a Guia prática de estratégias e táticas para a segurança digital feminista; Barricadas, estratégias e coletividade: uma cartilha de segurança digital para organizações, e essa minicartilha focada em celulares. Estão disponíveis nessa biblioteca.
- A PEN America lançou o Manual de Campo de Assédio Virtual (em inglês) com ferramentas e dicas práticas para se defender contra o ódio e o assédio virtual. A PEN descreve o manual como “uma central de aconselhamento, orientação e recursos sobre cyber-stalking, doxing (prática de divulgação de dados privados), discurso de ódio e outras formas de assédio digital”.
+ Confira 8 dicas para evitar que seu nude seja compartilhado sem consentimento, pela SaferNet.
2) Fortalecer a presença de mulheres na tecnologia.
Apesar de serem maioria na população e no Ensino Superior, as mulheres brasileiras representam apenas 13,3% das turmas de Ciências da Computação.
A falta de diversidade no mundo da tecnologia e inovação faz com que esses espaços reflitam e reproduzam injustiças e hierarquias sociais.
++ As Blogueiras Negras compartilharam aqui 5 organizações de tecnologia lideradas por mulheres negras
++ O ITS listou 8 mulheres e iniciativas que estão reprogramando a tecnologia.
++ A campanha Take Back the Tech, da APC (Association for Progressive Communications), é uma chamada para que todas as pessoas, especialmente mulheres e meninas, se apropriem da tecnologia para acabar com a violência.
++ Para saber mais sobre o assunto, sobre confira o livro Ciberfeminismos 3.0, lançado neste 8 de março pelo Grupo de Pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura (Gig@/UFBA). Organizado pela professora doutora Graciela Natansohn, a publicação traz novos olhares sobre a interface entre o gênero e as tecnologias digitais e está disponível online.
“Está em germe nestas latitudes do Sul Global um ciberfeminismo hacker racializado, transativista, geopoliticamente situado e tecnologicamente versado, qualificado, um ciberfeminismo 3.0 que está parindo uma expertise técnica orientada não por princípios liberais, extrativistas, brancos e masculinistas típicos de Silicon Valley, senão por princípios éticos feministas inspirados em ideais emancipacionistas. Um mundo sustentável e uma internet sustentável, reivindicam as ciberfeministas 3.0, precisa contestar as armadilhas da obsolescência programada, do teletrabalho e do trabalho em plataformas, do lixo eletrônico, do extrativismo de dados pessoais e de biodados, argamassa da colonialidade digital dominante”, escreve Graciela Natansohn na apresentação.
Se a internet fosse mais construída pelas mulheres — negras, indígenas, brancas, com deficiência, lésbicas, trans — seria usada menos como um espaço de conflito, e mais como um espaço de encontros.
Por uma internet de menos cancelamentos e mais colaboração, vamos aprender com elas.