Vagina não é palavrão
Sim, estamos em 2021, mas vaginas ainda são polêmicas.
O ano começa com a artista Juliana Notari sendo atacada nas redes sociais por sua obra “Diva”, escultura recém inaugurada no Parque Artístico-Botânico da Usina de Arte, no município de Água Preta, em Pernambuco.
Com 33 metros de comprimento, 16 de largura e 6 de profundidade, a obra é uma vulva gigante de concreto e também representa a ferida aberta causada pela violência contra as mulheres que estrutura a nossa sociedade.
+ Paula Guimarães do Portal Catarinas fez uma ótima entrevista com a artista
+ A história também foi tema dessa conversa com Cynara Menezes, Ivana Bentes, Laura Capriglione e Juliana Notari no Youtube da Revista Fórum
Isso me lembrou o filme Vulva 3.0, que assisti no Festival do Rio de 2014, um documentário feito pelas ativistas alemãs Claudia Richarz e Ulrike Zimmermann para discutir a imagem e representação da vulva. Em entrevista na época, elas disseram: “Fizemos um filme sobre as modificações da vulva, porque esse tema ainda é um tabu e recebe pouca atenção. As mulheres não têm imagens positivas da vulva e nem nomes para ela. Mesmo os ginecologistas não aprendem nada sobre clitóris, pois como o órgão não fica doente ele não é um tópico médico. Mais grave ainda é o fato de que médicos que durante sua formação não são sequer apresentados aos órgãos de prazer feminino possam realizar cirurgias cosméticas na área”.
Então eu descobri que, enquanto uma imagem de vulva gera um fuzuê, milhares de mulheres fazem cirurgias plásticas para reduzir os lábios genitais, a chamada labioplastia ou ninfoplastia. Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, a labioplastia foi feita por 138 mil mulheres em 2017. O Brasil é o líder mundial em cirurgia genital feminina. De 2015 a 2017, o número de cirurgias desse tipo passou de cerca de 12 mil para 28 mil. E seguiu crescendo: o levantamento mais recente, lançado em 2020, mostra que as labioplastias aumentaram 24,1% em 2019 no mundo e 73,3% desde 2015. Não estão incluídos nesse números os procedimentos de “rejuvenescimento vaginal”, que incluem intervenções não cirúrgicas para “desenhar sua vagina”.
Imagens de vulvas só são bem vindas quando estão cheias de retoques de photoshop da indústria pornográfica e quando servem ao consumo masculino. Isso tem consequências graves para a saúde das meninas e mulheres. A crença em um padrão ideal — e irreal — de vulva reforça tabus, constrangimentos e o distanciamento que muitas mulheres têm em relação ao próprio corpo. É o caminho perfeito para negligenciar cuidados com a saúde e ter uma vida sexual sem qualidade.
68% das brasileiras dizem ter alguma insatisfação com a genitália. 15% delas não olham para ela diariamente e 25% não costumam tocá-la (os dados são da pesquisa “Os Estigmas da Vagina”, lançada em 2020 pela Intimus e Nielsen Brasil).
Por isso são fundamentais iniciativas que buscam retratar a diversidade de vulvas, para desconstruir tabus e incentivar a educação e a saúde, como a linda The Vulva Gallery, da ilustradora Hilde Atalanta. Vale também conhecer a Vulvani, de Britta Wiebe e Jamin Mahmood, uma plataforma sobre menstruação que inclui um banco de imagens com mais de 140 fotos exclusivamente sobre o tema. E ler livros como “A origem do mundo: Uma história cultural da vagina ou a vulva vs. o patriarcado”, de Liv Strömquist. E compartilhar trabalhos como os da Elisa Riemer. Conheça e divulgue essas iniciativas, conheça e divulgue as vulvas!
Precisamos mostrar mais, falar mais, trazer a vulva para o centro do debate. Repetir, repetir, repetir até que ninguém mais se incomode com ela — nem a das outras, nem a própria.