Você está preparada/o para a Revolução da Longevidade?

Renata Saavedra
5 min readFeb 2, 2021

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The Voice+: atual edição do reality é exclusiva para talentos com mais de 60 anos. Foto: Artur Meninea/Gshow.

Idosa/o, velha/o, sênior. Palavras que muitas vezes incomodam, mas que, se tudo der certo, fazem parte da vida de todos nós.

Não é preciso se esforçar muito para perceber que as pessoas idosas enfrentam muito preconceito, o chamado idadismo. Muitas vezes as excluímos, infantilizamos, subestimamos, somos impacientes. Da piada pela demora da fila do banco ao “você está muito velha/o para isso”, faz parte do nosso cotidiano diminuir as pessoas mais velhas. Convivemos com imagens negativas da velhice e muitas vezes os idosos são tratados como se fossem inúteis, menos inteligentes ou um estorvo (em 2019, o governo brasileiro recebeu 102 denúncias de violação contra idosos por dia). O preconceito ajuda a invisibilizar essas pessoas e suas contribuições para a sociedade. E nos impede de prestar atenção em algo decisivo para todos nós: a revolução da longevidade.

Estima-se que 31% da população brasileira vai ter mais de 60 anos em 2050. O Brasil será, em números absolutos, a quinta nação com mais idosos do mundo. Se você tem mais de 30 anos, esse idoso será você.

“O futuro da longevidade não é como foi ontem. O envelhecer, hoje, é bem diferente. Em 1945, quando eu nasci, só 5% das pessoas tinham mais de 60 anos. No passado, envelhecer era um privilégio de poucos, era um desafio. No futuro, tudo vai mudar. Em 2050, 31% da população vai ter mais de 60 anos. Isso eu chamo de revolução da longevidade. Vamos fazer, em uma geração, o que os países mais velhos do mundo fizeram ao longo de séculos. A expectativa de vida mais longa e a queda da natalidade no Brasil fizeram com que a vida deixasse de ser uma corrida de 100 metros para ser uma maratona. Não se chega lá no final em bom estado, se não treinar. Pela primeira vez na história da humanidade, haverá mais idosos que crianças — e essa revolução da longevidade traz muitas oportunidades e desafios para as cidades e a sociedade”, diz Alexandre Kalache, gerontólogo e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil.

Você está preparada/o? Esse é o tema da exposição Cidade 60+, idealizada e produzida pela Folguedo, que traz diferentes perspectivas sobre o envelhecimento e sobre as mudanças de que precisamos para viver a Revolução da Longevidade. A exposição, com a qual pude colaborar como redatora, é um convite para pessoas de todas as idades vivenciarem diferentes situações do cotidiano e discutirem temas como saúde, preconceito e acessibilidade das pessoas com mais de 60 anos.

De quais transformações a sociedade precisa para todos vivermos bem no futuro? Como ter um envelhecimento ativo (que é um processo para toda a vida)? Cidade 60+ reúne depoimentos inspiradores sobre essas questões de pesquisadoras/es como Alexandre Kalache, Alexandre Silva, Angel Vianna, José Guajajara, Helena Theodoro, Jerson Lacks, Mirian Goldenberg e também de anônimas/os de 5 a 89 anos.

+ “Uma cidade amiga do idoso é uma cidade para todas as idades”: acesse o Guia Global: Cidade Amiga do Idoso, desenvolvido por Alexandre Kalache e Louise Plouffe com a Organização Mundial da Saúde.

+ Antes de conceber a Exposição Cidade 60+, a Folguedo criou a Cidade Acessível, uma exposição interativa e informativa para refletirmos sobre acessibilidade, inclusão e a cidade ideal que precisamos para garantir os direitos e a autonomia de todos.

A exposição Cidade 60+ ficou em cartaz na Casa de Ciência da UFRJ em setembro de 2019 e ganhou uma versão online em 2020, com novos conteúdos sobre o contexto da pandemia. Afinal, por enfrentarem preconceitos e falta de mobilidade e acessibilidade nas cidades, o isolamento já fazia parte do cotidiano de muitos dos 30 milhões de idosos no Brasil. O que os idosos têm para compartilhar sobre essa nova experiência de isolamento? O que podem nos ensinar nesse momento de mudança global?

+ No Brasil, 75% das mortes por Covid-19 são de pessoas idosas. Pessoas idosas de baixa renda que vivem em casas de repouso ou dependem do Estado para terem proteção estão em situação de maior vulnerabilidade e sem possibilidade de exercer seus direitos durante a pandemia. O podcast “Fala, UNFPA”, do Fundo de População da ONU, abordou os desafios das pessoas idosas diante da pandemia. Ouça aqui.

+ A “velhofobia” do governo brasileiro, que ficou ainda mais explícita na pandemia, é tema desse episódio do Greg News. “Isolar os idosos” foi uma das “soluções” propostas pelo atual presidente.

+ “É preciso combater o preconceito contra idosos após a pandemia”, dizem especialistas. Essa live discute o futuro de idosos com o epidemiologista Alexandre Kalache e a youtuber Sônia Bonetti.

O idadismo limita nossa visão e nos leva a acreditar que pessoas idosas são só “idosas”. Mas elas são muitas outras coisas também. Existem idosos de diferentes identidades de gênero, orientações sexuais, raças, territórios. Esses marcadores de diferença afetam suas vidas de forma interseccional, gerando desafios ainda mais complexos.

“O envelhecimento ativo prega a boa saúde, a aprendizagem ao longo da vida, a participação e a segurança. Para a maioria das pessoas negras, essas são aspirações distantes. As condições socioeconômicas construídas a partir de iniquidades raciais levam a um envelhecimento precoce e ruim”, escreve Alexandre Silva, doutor em Saúde Pública, professor e coordenador da área de Raça, Etnia e Envelhecimento do Centro Internacional da Longevidade no Brasil.

Para muitas pessoas LGBT, envelhecer muitas vezes significa “voltar para o armário”, por medo de mais exclusão e preconceito. Segundo Carlos Henning, professor de Antropologia da Universidade Federal de Goiás, “a maioria foi expulsa de casa e perdeu essa rede de suporte que é a família. Além disso, enfrenta maiores dificuldades no serviço público de saúde”. O fato de muitas casas de repouso serem administradas por instituições religiosas representa uma barreira a mais para LGBTs que precisam do serviço. “É comum transexuais terem de desfazer o processo de transição, cortar o cabelo, tirar as próteses e mudar de roupa para serem aceitas ali”. Tudo isso mobilizou os profissionais que em 2017 criaram a ONG Eternamente Sou, de acolhimento à população LGBT idosa, que oferece atendimento psicoterapêutico gratuito em São Paulo e Florianópolis.

Pessoas idosas são diversas também em seus gostos, estilos, visões políticas, desejos. Uma forma agradável de pensar sobre isso e conhecer boas histórias pode ser assistir o The Voice+. A atual edição do reality musical da Rede Globo é exclusiva para talentos com mais de 60 anos.

Nessa sociedade que cultiva a juventude eterna, não basta não ser idadista, é preciso ser anti-idadista.

Chamada da Exposição Virtual Cidade 60+, realizada pela Folguedo

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Renata Saavedra
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Written by Renata Saavedra

Pesquisadora, feminista e fruto do sistema de educação pública brasileiro. Researcher, feminist and product of the Brazilian public education system.

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