Zika: lições de como enfrentar uma pandemia
O Brasil é o pior país do mundo na gestão da pandemia de covid-19 (segundo pesquisa do Instituto Lowy, baseado em Sidney, que abordou a resposta à crise em 98 países). Não há fatalidades ou aleatoriedades, nosso cenário é resultado de escolhas de gestores que adotaram um projeto de incentivo à doença, que atuaram contra a ciência e o sistema público de saúde.
Gestores que escolheram mais de 314 mil mortes (até fim de março de 2021), apesar do nosso SUS e do Programa Nacional de Imunização, que são referências internacionais de políticas públicas de saúde. Que escolheram ignorar o conhecimento, a pesquisa, o trabalho e a experiência de diversas instituições e profissionais sérios e reconhecidos em seus campos.
Na contramão desse desgoverno, a Fiocruz acaba de lançar a Exposição virtual Zika: Vidas que Afetam, que traz lições aprendidas sobre o enfrentamento às consequências do Zika vírus, uma epidemia que não está mais nos noticiários mas segue afetando as vidas de milhares de pessoas — especialmente crianças e mulheres.
“A exibição, fruto da pesquisa e do diálogo entre pesquisadores, profissionais, gestores e representantes de famílias, desperta o envolvimento com os problemas decorrentes da epidemia e provoca reflexões sobre a vida das diversas pessoas afetadas pela Síndrome Congênita, que não podem ser invisibilizadas ou esquecidas.
A mostra apresenta como se construíram respostas à ameaça representada pela epidemia do vírus Zika e suas implicações. Destaca-se o papel crucial da Ciência brasileira, das famílias e do Sistema único de Saúde na construção de conhecimento, atenção à saúde e vigilância. A experiência do Brasil resulta no reconhecimento internacional da nossa capacidade para enfrentar novas emergências em saúde e desafios globais”
Em Zika: vidas que afetam, navegamos por quatro sessões:
- O inesperado da Zika no mundo e no Brasil
- Incertezas e emergências
- Mobilização e respostas
- O que ainda precisamos fazer?
Acompanhamos o início da epidemia do vírus Zika, o aumento de casos de microcefalia e a mobilização de cuidadores e pesquisadores para investigar as possíveis relações entre ambos, descobrindo a Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCVZ). A Síndrome Congênita pode ocorrer em crianças com contato com o vírus Zika durante a gravidez, mesmo que suas mães não tenham apresentado sintomas, e pode levar a múltiplas deficiências, não apenas à microcefalia. As primeiras respostas foram fruto de articulações nacionais e globais, a partir da criação da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas — RENEZIKA, do Grupo de Pesquisa da Epidemia de Microcefalia (Merg) e da visita da OMS ao Brasil.
Nesse contexto, enquanto milhares de mulheres tinham medo de engravidar, muitas outras cuidavam de seus bebês doentes, enfrentando um cotidiano cada vez mais difícil. O cuidado com crianças afetadas pela Síndrome Congênita exige esforço, dedicação, gastos e afastamento do trabalho.
+ Em situações de emergência de saúde pública e aumento do trabalho de cuidado, a sobrecarga recai sobre as mulheres. Também tem sido assim com a pandemia de covid-19, como mostra pesquisa da Gênero e Número: 50% das brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia
Mães, que acompanharam e colaboraram de perto com as pesquisas científicas, se organizaram em associações na luta por direitos das pessoas com Síndrome Congênita do Vírus Zika. Alguns exemplos são a Associação Lótus (RJ), a União de Mães de Anjos (PE) e a Associação aBRAÇO a Microcefalia (BA), que seguem se articulando para conquistar políticas públicas e garantir o acesso a direitos para todas as famílias afetadas.
A lei 13.965, de 7 de abril de 2020, institui pensão especial de 1 salário mínimo mensal e vitalício destinada a crianças com SCZV nascidas entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019. Nesse período, mais de 3400 crianças foram casos confirmados de SCVZ no Brasil.
Entre novembro de 2015 e novembro de 2020, foram notificados ao Ministério da Saúde 19.492 casos suspeitos de Síndrome Congênita do Zika. Todas as crianças em contato com o vírus Zika na gravidez precisam de acompanhamento e cuidado de longo prazo, não somente aquelas nascidas com microcefalia. A Zika não acabou: as demandas por garantia de direitos e acesso a serviços são crescentes — não só para as crianças, mas também para as mães, que além de sobrecarga de trabalho podem passar por sofrimento psíquico e emocional, como destacam especialistas na Exposição.
“Tem que escutar as pessoas que vivem essa realidade. Porque somos nós, familiares, mães, que podemos apontar as falhas do sistema”, diz Germana Soares, da União de Mães de Anjos, no módulo O que ainda precisamos fazer?
A exposição Zika: vidas que afetam é trilíngue (português, inglês e espanhol) e conta com ferramentas de acessibilidade (alto contraste, aumento de fonte, tradução em Libras e audiodescrição). Tudo isso é resultado do trabalho coletivo de dezenas de profissionais, com curadoria de Lenir Nascimento da Silva, Mariana Vercesi de Albuquerque e Marta Fabíola Mayrink. A produção é da Folguedo, que desenvolveu a expografia, design, vídeos e consultoria em acessibilidade. Tive a oportunidade de colaborar com a revisão dos textos.
A exposição, que marca os 120 anos da Fiocruz, mostra que o caminho para lidar com uma emergência de saúde pública tem que ser seguido coletivamente: depende da articulação e do diálogo constante entre cientistas e pesquisadores, gestores públicos e representantes da sociedade civil. “Pode-se responder melhor à Zika e a outras doenças quando ciências, movimentos sociais, saúde, educação e políticas públicas caminham lado a lado”.
Que a gente possa se inspirar com tantas lições aprendidas. Acesse e divulgue: expozika.fiocruz.br/